Comentários sobre Consulta Pública nº 78 da ANS – Proposta Normativa que altera a RN nº 358/2014 para permitir o chamado Ajuste de Identificação por Coparticipação e Franquia – AIC no ressarcimento ao SUS

por Monica Carbone Russo e Leandro Siciliano Neri

A Agência Nacional de Saúde Suplementar disponibilizou pelo período de 24/08/2020 a 07/10/2020 a Consulta Pública nº 78 que tem como objetivo receber contribuições para a proposta de Resolução Normativa que altera a RN nº 358/2014, que dispõe sobre os procedimentos físicos e híbridos de ressarcimento ao SUS, previsto no art. 32 da Lei nº 9.656/1998 e cria o denominado Ajuste de Identificação por Coparticipação e Franquia – AIC.  

Vale lembrar que o  procedimento administrativo de ressarcimento ao SUS se inicia quando a ANS direciona para as Operadoras de Saúde as denominadas notificações de Aviso de Beneficiários (ABI´s), que consistem em base de dados com informações sobre os atendimentos de seus usuários ocorridos na rede pública/privada conveniada ao SUS em determinado período, sendo facultado às operadoras impugnar administrativamente tais cobranças, por exemplo, em virtude do usuário estar em cumprimento de período de carências ou cobertura parcial temporária quando da utilização do sistema público, de atendimento fora da abrangência geográfica de cobertura do produto ao qual encontram-se vinculados, de evento não previsto em contrato ou na segmentação  de cobertura do produto contratado, ou ainda, excluídas do rol de procedimentos médicos vigente, entre outros. 

Do mesmo modo, há previsão de impugnação ao ressarcimento por incidência da coparticipação ou de franquia pela operadora de plano de saúde, com a apresentação dos contratos e a memória de cálculo, a ANS concede desconto correspondente ao valor do fator moderador previsto na cobrança de ressarcimento do SUS.

Conforme a síntese da NOTA TÉCNICA Nº 6/2020/GEIRS/DIRAD-DIDES/DIDES  que versa sobre a exposição de  motivos da consulta pública em referência, a criação do Ajuste de Identificação por Coparticipação e Franquia – AIC visa constituir alternativas para diminuição do passivo de processos de ressarcimento SUS, bem como suprir a carência de servidores que realizam as análises individuais dessas impugnações. 

Para tanto, a nota técnica em referência afirma que, “em que pese  os técnicos  promovam um ajuste no valor do procedimento de ressarcimento, reduzindo o correspondente à coparticipação ou franquia contratualmente previstas,  este ajuste somente ocorre após o trâmite do processo administrativo”, condição que na visão da Agência reguladora implica na  existência de disponibilização de um quantitativo expressivo de profissionais qualificados e que confere maior morosidade no repasse do montante arrecadado ao Fundo Nacional de Saúde. 

Neste aspecto, a criação do denominado Ajuste na Identificação por Coparticipação e Franquia  tem por escopo reduzir o passivo temporal e de análise técnica das impugnações pela ANS e antecipar a arrecadação dos valores de ressarcimento aos SUS, por meio de  estímulo de desconto percentual fixo (e máximo) sobre a cobrança lançada no lote de ABI´s enviado para a Operadora.

Em breve síntese, a minuta de Resolução Normativa proposta na Consulta Pública nº 78 dispõe dos seguintes critérios para incidência do chamado  Ajuste na Identificação por Coparticipação e Franquia – AIC:

(i) previsão de incidência de coparticipação e franquia sob os contratos dos usuários que dispõe de lançamentos de ABI remetidos para a Operadora de Saúde;  

(ii) opção de adesão  no momento do protocolo eletrônico das impugnações, ou seja, é necessário a Operadora realizar a impugnação do ressarcimento SUS e caso a caso sinalizar a adesão ao AIC; 

(iii) a operadora poderá selecionar até 25% (vinte e cinco por cento) da quantidade dos atendimentos notificados para obter um abatimento máximo de 20% (vinte por cento) do valor total do ABI em razão da existência de coparticipação ou franquia nos contratos dos beneficiários identificados.

(iv) somente poderá aderir ao AIC à operadora que possua, pelo menos, 40% (quarenta por cento) dos atendimentos não impugnados do ABI ao qual optara por realizar o AIC; 

(v) ao optar pelo AIC, a operadora fica ciente de que outros motivos de impugnação não serão analisados pela Autarquia.

(vi) ao final do prazo de impugnação (prazo de defesa), a  Operadora receberá a Guia de Recolhimento para pagamento dos valores com o AIC das impugnações deferidas e os casos que excederem os percentuais  estipulados pela norma (25% dos casos solicitados o pedido de desconto e 40% de atendimentos não impugnados),  serão automaticamente endereçados para análise da Autarquia, conforme ocorre atualmente. 

 A ANS poderá, ainda, realizar auditoria periódica por amostragem,  com vistas a apurar a  veracidade da existência e o valor de coparticipação ou franquia nos contratos dos beneficiários, por meio dos seguintes critério aplicados isolados ou cumulativamente:  número total de atendimentos identificados,  número de casos com coparticipação ou franquia no sistema, percentual de deferimento da operadora.

E, em casos de irregularidades, a operadora ficará impedida de aderir ao AIC por 2 (dois) ABIs consecutivos e, no caso de reincidência, por 4 (quatro) ABIs seguidos. 

Diante da proposta a Consulta Pública nº 78, convém traçar algumas reflexões. 

A natureza da coparticipação e da franquia  se caracteriza pelo  pagamento de despesa de um atendimento assistencial e visa promover a utilização consciente do plano de saúde (mecanismo de regulação) com vistas a manter o equilíbrio contratual e proteger o fundo mutual da operadora de saúde, do qual saem os recursos necessários para o pagamento de procedimentos e tratamentos de todos os beneficiários de serviços de saúde suplementar.

A tarifação dos produtos registrados na ANS com a incidência de coparticipação e franquia no uso das coberturas prevê a participação financeira do beneficiário  quando da utilização do evento de saúde ao qual incide o fator moderador e que será destinado ao fundo mutual, conforme percentual estipulado contratualmente.  

Com o ressarcimento ao SUS esta concepção não muda, de modo que ao determinar a incidência de um desconto único e máximo de 20% (vinte por cento) para o denominado Ajuste na Identificação por Coparticipação e Franquia – AIC,  ainda que opcional  e com limite de fixado em 25% (vinte e cinco por cento) dos lançamentos de ABI,  com  o objetivo preponderante de  suprir a carência de mão-de-obra técnica para análises das impugnações de ressarcimento ao SUS, a ANS deixou de considerar uma realidade mais ampla de produtos que preveem a incidência de coparticipação acima de 20% (vinte por cento) e que poderiam  dispor do benefício do AIC, sendo esse um ponto de suma relevância a ser debatido na consulta pública.

Da mesma forma, as condições de adesão ao AIC propostas pela autarquia (somente poderá aderir ao AIC a operadora que possua, pelo menos, 40% (quarenta por cento) dos atendimentos não impugnados na ABI e não serão analisados pela Autarquia outros motivos de impugnação) afrontam os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e contraditório, sendo recomendável, portanto, aos entes regulados, a apresentação de contribuições nesse sentido, no período designado para a  Consulta Pública nº 78. 

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