Da utilização da teoria da perda de uma chance em caso de erro médico

A Teoria da Perda de uma Chance é um conceito doutrinário, nascido no século XIX na França e que, de forma mais recente chegou aos Tribunais Brasileiros, sendo utilizado em alguns julgamentos quando o suposto ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor.1

A doutrina pátria é uniforme ao definir que tal teoria somente se aplica nos casos em que a chance perdida seja mais que uma possibilidade, mas sim uma probabilidade, fazendo com que a chance seja indenizável.

Assim, Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves, em obra sobre direito do consumidor, muito bem definem que “A perda de uma chance está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, ocorreria se as coisas seguissem o seu curso normal. A partir dessa ideia, (…), essa chance deve ser séria e real.” 2

Sobre esta teoria, um dos juízes titulares de uma das varas do Foro de São Vicente, do Estado de São Paulo, recebeu o processo que buscava a constatação de erro médico.

Nesta demanda em questão, a requerente alegava que seu filho veio a óbito pela demora dos médicos do Hospital Réu em diagnosticarem e tratarem o quadro oncológico do paciente.

Ao analisar todo o exposto no processo, o r. Magistrado, de forma correta, verificou que a pretensão da parte autora era baseada, na verdade, na denominada Teoria da Perda de uma Chance.

Isto porque, em análise dos fatos, percebeu-se que a requerente não pretendia estabelecer nexo causal entre a morte da criança e o atendimento médico prestado, mas sim tentava provar que a demora no diagnóstico e no tratamento dado ao paciente teriam sido a causa da evolução do quadro clínico desfavorável, privando-o de uma chance de cura ou de aumento do tempo de vida.

Assim, para elaborar seu julgamento final do processo, o Magistrado passou a fazer na sentença uma brilhante e clara explanação sobre a Teoria da Perda de uma Chance que, apesar de ser um entendimento doutrinário, já foi objeto de julgamento de Recurso Especial pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Neste sentido, o Juiz, de forma mais específica, explicou que no caso do julgamento do REsp 1.662.338-SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do STJ entendeu que a Teoria da Perda de uma Chance somente se aplicaria caso ficasse comprovado, além do déficit de qualidade do serviço médico prestado, que haveria alto grau de probabilidade de cura ou mesmo sobrevida do paciente se o procedimento ou atendimento tivesse sido prestado de forma diligente e tempestiva.

Diante deste julgado, o Magistrado da comarca de São Vicente – SP passou a examinar o resultado da perícia técnica realizada nos autos, para que, desta forma, pudesse definir se haveria negligência, imprudência ou imperícia nos atendimentos médicos prestados, e, ainda, se haveria chance concreta de cura a configurar perda de uma chance no caso do paciente.

Neste diapasão, o Juiz foi certeiro em apontar que a perícia técnica realizada foi absolutamente esclarecedora sobre o caso concreto em julgamento. Isto porque, o i. expert, de forma didática, apresentou um memorial completo sobre a doença que acometia a criança e, ainda, quanto aos atendimentos prestados no Hospital, o perito foi claro ao afirmar a correção das técnicas médicas utilizadas, não havendo que se falar em erro médico no caso em questão.

O Juízo, de forma correta, julgou improcedente os pedidos, ao considerar ser impossível configurar a perda de uma chance no caso do paciente, uma vez que as condições para se adotar a Teoria não estavam presentes no caso concreto, tendo em vista a ausência de erro nos atendimentos médicos, cumulada com o grau de malignidade da doença, que, infelizmente, levou o paciente a óbito.

Portanto, em mais um julgado, resta patente que a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance em casos de erro médico reclama concreta possibilidade de recuperação do paciente, o que não ocorreu na demanda de São Vicente, ora analisada.           

[1] GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. Lei nº 8.078/1990. 10ª edição. Ed. JusPODIVM. 2016.

2 TARTUCE, e NEVES. Manual de Direito do Direito do Consumidor. Direito Material e Processual. 06ª edição. Ed. Método. 2017.

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