Um dos juízes titulares das varas cíveis do Foro de São Bernardo do Campo, São Paulo, enfrentou, recentemente, difícil solução que envolvia alegação de erro médico em cirurgia ortopédica.
No caso concreto o paciente procurou um especialista com indicação cirúrgica para descompressão e artrodese de coluna. Seu diagnóstico envolvia discreto processo degenerativo osteoarticular, protrusão discal centro-látero-foraminal esquerda em L4-L5 e pequena protrusão discal global em L5-S1.
Após a realização da cirurgia, contudo, o paciente passou a apresentar incontinência urinária, dormência e fraqueza nos membros inferiores, além de disfunção erétil, o que teria repercutido negativamente, por óbvio, em todas as esferas de sua vida.
Questão tão complexa quanto esta só poderia ser deslindada por prova pericial. A prática demonstra que a prova oral pouco auxilia na compreensão das condutas adotadas pelo profissional médico no momento da abordagem cirúrgica. Não raras as vezes, o trabalho de um expert em medicina demonstra-se suficiente para o convencimento do juiz, acerca do erro ou acerto, do profissional de saúde.
No caso concreto o perito, de forma didática, explicou que o paciente foi acometido de síndrome de cauda equina.
Esta síndrome é causada pela compressão das raízes nervosas, abaixo do nível da medula espinhal. Da cauda equina saem os nervos que inervam a bexiga, intestino e órgãos genitais. A compressão destes nervos é que justificavam os sintomas do autor. Ao comparar os sintomas relatados antes e depois da cirurgia, pelo paciente, o perito constatou ainda ser possível relacionar o aparecimento da síndrome com a cirurgia realizada.
Restava, portanto, saber se em um dos extremos haveria um ato ilícito que pudesse estruturar o nexo de causalidade e, neste ponto, ao se debruçar sobre o ato cirúrgico, o expert apontou que há descrição de lesão de dura-máter, que foi determinante para o surgimento da síndrome. Havia o ato, portanto. Acontece que tal ato não se demonstrou ilícito.
O perito tratou de deixar claro que a cirurgia de coluna é uma das de maior risco de complicações, o que justifica, inclusive, o custo de seguro maior para cirurgias desta monta.
Neste passo, mesmo a lesão de dura-máter (observada no caso concreto) surge, na literatura especializada, como bastante comum (até 17%, em caso de cirurgia de coluna anterior). Esta lesão, determinante da síndrome, no caso concreto, não é considerada como imperícia cirúrgica – tratava-se de cirurgião experiente que pode ter encontrado aderências de difícil resolução no sítio cirúrgico.
O magistrado concluiu que as lesões experimentadas pelo autor foram uma fatalidade, não imputável ao médico e, igualmente, ao Hospital ou à Operadora de Planos de Saúde.
Chama atenção o fato de que mesmo a percepção de que houve falha na prestação da informação, já que o autor não teria sido advertido, especificamente, acerca da complicação (síndrome da cauda equina), em termo de consentimento livre e esclarecido, não prosperou. Isto porque seria impossível fazer constar, do termo de esclarecimento, toda e qualquer provável consequência, não importando sua efêmera incidência.
Quanto a isso, o sentenciante identificou, sabiamente, que o paciente teria concordado em se submeter à cirurgia, não obstantes os riscos de sangramento, infecção, problemas cardiovasculares e respiratórios, estes sim expressamente elencados no termo de esclarecimento, não havendo que se falar em falha na prestação da informação.
Mais uma vez, a saída técnica se demonstra a única viável para o enfrentamento de um litígio complexo, restando reforçados os pilares que sustentam as melhores doutrinas da responsabilidade civil em casos de alegação de erro médico – sendo obrigação de meio, só há responsabilidade objetiva de hospitais e operadoras de planos de saúde, se ultrapassada a análise da responsabilidade subjetiva do médico.