REFLEXÕES SOBRE A LEI DO CONTRIBUINTE LEGAL PARA O MERCADO DE SAÚDE SUPLEMENTAR

Por Rodrigo Montenegro, com colaboração de Elias Santos e Taiana Rios

A Lei 13.988, de 14 de abril de 2020, oriunda da Medida Provisória 899, de 16 de outubro de 2019, foi editada com a finalidade de definir requisitos e condições para a transação prevista no artigo 171 do CTN, de maneira similar ao instituto Offer in Compromise, praticado pelo Internal Revenue Service (IRS), dos Estados Unidos da América.

Também conhecida como Lei do Contribuinte Legal, essa inovação legislativa disciplina a transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, com objetivos claros de auxiliar o empresariado, no curso dessa grave pandemia causado pelo COVID-19, ao mesmo tempo que pretende aumentar a arrecadação da União.

No âmbito da saúde suplementar, foco desta breve resenha sobre a novel legislação, identificam-se as sanções pecuniárias aplicadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, e os débitos relacionados ao Ressarcimento ao SUS, ambos reputados créditos de natureza não tributária, desde que inscritas na dívida ativa ou judicializadas, como possível objeto da transação pelas operadoras de plano de saúde. 

Importante, desde logo, frisar que a norma em epígrafe, apesar de referir a uma possível transação de créditos da União, muito pouco se aproxima do último REFIS de 2017, instituído pela Lei Nº 13.496, de 24 de outubro de 2017, considerando a exigência normativa atual de que o crédito objeto da transação esteja inscrito na dívida ativa da União e a qualificação especial do devedor, adiante explorada.

A principal destinatária da Lei nº 13.988/20 é a carteira de créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, que perfaz aproximadamente 1,4 trilhão de reais e supera a metade do estoque da Dívida Ativa da União, considerando a pouca atratividade/efetividade dos parcelamentos extraordinários para essa carteira específica, segundo estudos da PGFN.

De acordo com a Lei do Contribuinte Legal, no entanto, os créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação são apenas aqueles devidos por empresas em processo de recuperação judicial, liquidação judicial, liquidação extrajudicial ou falência.

A concessão de descontos, dessa forma, é privilégio apenas das citadas empresas, bem como da pessoa natural, microempresas e empresas de pequeno porte cujo crédito tributário seja considerado de pequeno valor (não superior a 60 salários mínimos), e ainda daqueles envolvidos em litígios aduaneiros ou tributários decorrentes de relevante e disseminada controvérsia jurídica.

Deduz-se, portanto, que somente operadoras de plano de saúde em processo de recuperação judicial, liquidação judicial, liquidação extrajudicial ou falência poderão se valer de deduções nas multas, nos juros de mora e nos encargos legais relativos a créditos transacionados, o que, a primeira vista, torna pouco interessante a aludida norma, sob o aspecto da transação de créditos com a União.

Destaque-se, ainda, que os descontos não poderão incidir sobre o valor original da dívida devidamente corrigido, mas tão somente sobre os juros de mora, multas e encargos legais, conforme previsto no art. 11, I do diploma legal.

A despeito da impressão preliminar do impacto da norma às operadoras de plano de saúde que não se enquadrarem nos citados perfis, diante da impossibilidade de obterem descontos nos aludidos débitos com a União, há que se considerar os benefícios pertinentes a concessão de novos prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento e a moratória, bem como o advento da possibilidade de transacionar para substituir garantias ofertadas no âmbito judicial.

A previsão de prazos para parcelamentos mais extensos do que os tradicionalmente autorizados em REFIS e PRD anteriores (limitados a 60 meses) se trata de importante benefício, dada a possibilidade de as operadoras de plano de saúde parcelarem suas dívidas em até 84 (oitenta e quatro) vezes. 

Portanto, a possibilidade de obter, por meio de transação, a substituição da garantia judicial parece ser o atrativo mais relevante previsto na Lei do Contribuinte Legal para o mercado de saúde suplementar, e até mesmo para o mercado segurador. 

Como se sabe, é comum a oferta da fiança bancária e do seguro garantia em execuções fiscais e ações anulatórias para garantir a satisfação do crédito, na hipótese de não pagamento dos débitos originários de processos administrativos sancionadores e de cobrança do ressarcimento ao SUS, perante à ANS, exigidos em juízo.

Embora ambas modalidades de garantia sejam equiparáveis a pecúnia e tenham condições de substituí-lo, por força do artigo 835, § 2º, do CPC, são raras decisões judiciais que autorizam a substituição da garantia judicial formada por dinheiro em espécie pela fiança bancária ou pelo seguro garantia.

A substituição da garantia judicial em dinheiro pela fiança bancária ou pelo seguro garantia, permitida pela transação, atende a mens legis compreendida pela possibilidade de redução de custos para as operadoras, que poderão estornar para os seus patrimônios o montante pecuniário dado em garantia enquanto discutem em juízo se o crédito questionado é ou não devido, mediante o pagamento do prêmio da apólice de seguro garantia ou do custo da carta de fiança bancária.

Além de possibilitar a reintegração da moeda ao capital de giro da operadora de plano de saúde, a utilização do seguro garantia em seu lugar não gera qualquer prejuízo à ANS – considerando a liquidez e exequibilidade da apólice de seguro garantia – e ainda propicia a circulação de riquezas, por meio do fomento à contratação do seguro garantia, em benefício do mercado segurador. 

Convém esclarecer que a proposta de transação eventualmente apresentada pela operadora de plano de saúde não suspende a exigibilidade dos créditos por ela abrangidos, nem o andamento das respectivas execuções fiscais.

De qualquer sorte, a Lei do Contribuinte Legal depende de ato regulamentar da autoridade fazendária competente, que norteará os procedimentos necessários à adequada obtenção e utilização da transação aqui tratada.

Após o conhecimento da referida regulamentação, o mercado de saúde suplementar terá melhores condições de perceber e avaliar os reais benefícios da Lei do Contribuinte Legal, sobretudo do que diz respeito à substituição da garantia judicial, considerando a possibilidade de recuperação de valores indisponibilizados por força de dívidas discutíveis, mediante a utilização do seguro garantia próprio para esse fim.

 

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