Reajuste de planos de saúde exige um foco técnico

Todos os anos, o reajuste dos planos de saúde é motivo de polêmica nos diferentes meios de comunicação. Portanto, tem sido história repetida a repercussão das últimas semanas em torno do posicionamento de organizações consumeristas na tentativa de conter o reajuste das mensalidades dos planos individuais, a ser anunciada em breve pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A percepção no consciente coletivo é a de que o aumento das mensalidades aflige a todos, de forma constante e periódica, sejam os contratos individuais ou coletivos.

Não precisa de um esforço de memória muito grande para lembrar de amigos ou conhecidos próximos que se surpreenderam com o aumento. Infelizmente, contestar o reajuste por meio legal se tornou recorrente: vide as iniciativas conduzidas, entre outros, pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Idec).

É preciso entender, antes de mais nada, os fatores que influenciam no aumento dos custos médico-hospitalares e, consequentemente, no reajuste das contraprestações (mensalidades) por parte dos contratantes dos planos. A Lei nº 9.961/2000, que criou a ANS, atribuiu ao regulador a responsabilidade de controlar os aumentos de mensalidade dos planos individuais de acordo com o tipo de cobertura e as justificativas para o aumento, como por variação de custos e mudança de faixa etária. 

No anseio de ampliar o debate sobre o assunto, levantamento recente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) mostrou a tendência da VCMH (Variação de custos médico-hospitalares) divulgada em três relatórios de consultorias internacionais para o ano de 2017. A pesquisa contemplou um total de 230 seguradoras de saúde, em mais 90 países, na análise das consultorias Aon Hewitt, Mercer e Willis Towers Watson.

Segundo o relatório, a variação de custos médico-hospitalares acima da inflação geral é uma tendência global e acontece tanto em países emergentes, como no Brasil – com média de 3,4 vezes acima da inflação da economia – quanto em países com economias melhor consolidadas, como Estados Unidos e Holanda, com média de 3,7 e 3,5, respectivamente.
Importante lembrar que há uma série de fatores que impulsionam a constante alta dos custos médico-hospitalares em todo o mundo e há características particulares do caso brasileiro. Em âmbito global, pode-se citar a incorporação de novas tecnologias, o processo de mudança demográfica a partir do envelhecimento da população, aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, abusos e outros desperdícios tanto por parte de pacientes quanto de profissionais de saúde, falhas de mercado e de informações, entre outros. Temas que dariam, por si só, artigos independentes que serão tratados futuramente por aqui.

No caso específico brasileiro, o elevado número de ações na Justiça também colabora com o crescente problema do avanço dos custos. Levantamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) mostra que, no período entre 2011 e 2016, as ações na Justiça contra planos de saúde aumentaram em mais de 631% só no Estado de São Paulo. Não obstante, os recorrentes tiveram ganho de causa em mais de 90% dos casos. Claro que cada caso é específico e deve ser analisado individualmente, mas o número expressivo causa impacto direto na desempenho econômico-financeiro dos setores de saúde no país.

Como já abordamos anteriormente o debate sobre o reajuste dos planos de saúde é imprescindível para que a sociedade entenda como funcionam os mecanismos e fatores que influenciam diretamente no cálculo. Importante lembrar que o artigo 16 da Lei dos Planos de Saúde (LPS) determina as condições que devem estar claras para firmar os contratos na saúde suplementar. Pode-se citar, por exemplo, o regime ou tipo de contratação (inciso VII) e os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias (inciso XI). Portanto, a lei é cristalina sobre a aplicação do reajuste: “considerando qualquer variação positiva na contraprestação pecuniária, inclusive quando decorrente de revisão ou reequilíbrio econômico-atuarial do contrato”.

No entanto, mesmo sem a divulgação para o reajuste por parte do órgão responsável nesse ano, o Idec acaba de ingressar na Justiça com uma Ação Civil Pública pedindo a suspensão do reajuste de contratos individuais de planos de saúde para o período 2018-2019. A entidade pede ainda que, além da suspensão, uma nova metodologia para o cálculo do aumento das mensalidades seja colocada em prática e envolva consulta pública. E vai além: sugere que enquanto a atualização da revisão não seja feita, as mensalidades devam ser reajustadas com base na inflação geral.

Ora, fica claro aqui um óbvio desajuste entre as contas. Se no Brasil a inflação médica cresceu, em média, 3,4 vezes acima do índice IPCA em 2017, a sugestão do Instituto pode ser catastrófica para a sustentabilidade do setor. Como reforçado pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), o anseio por criar “comoção e conflitos” em prol de seus interesses por meio do alto número e do teor das ações judiciárias só impede o real desenvolvimento do segmento e ameaça a saúde de milhões de brasileiros. Evidente que a busca dos direitos por meio de Judicialização é válida e um direito básico de todos os cidadãos. Não se deve, contudo, perder de vista as reais necessidades da saúde no País, como a mudança urgente no modelo assistencial – assunto para artigos futuros.

Voltaremos a abordar este tema tão complexo porque acreditamos que a correta comunicação e transmissão destas informações auxilia não só na ampliação do conhecimento da sociedade sobre temas tão caros ao complexo setor da saúde, mas beneficia diretamente na construção de políticas que contribuam para o melhor desempenho de todo o segmento.

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