Falar sobre índices de reajuste de planos de saúde é entrar em uma seara bastante espinhosa. Isso porque há inúmeros equívocos na interpretação das regras que regulam o segmento suplementar. Para tornar esse debate o mais elucidativo possível, optamos por escrever uma série de artigos sobre o tema, considerando também os desfechos de casos reais levados à esfera judicial. Neste primeiro texto, vamos analisar a diferença entre os critérios de reajustes anuais de acordo com o tipo de contratação do plano.
Um plano de saúde pode ser individual/familiar ou coletivo (por adesão ou empresarial). É a partir dessa diferença básica que se começa a definir todo o perfil do plano que o beneficiário irá contratar. Embora possam ter a mesma rede credenciada e cobertura, os dois perfis seguem regras bastante distintas para o cálculo do reajuste anual. Infelizmente, contestar na Justiça essa distinção descrita na Lei nº 9.656/98, a Lei dos Planos de Saúde (LPS), se tornou recorrente.
Em caso relativamente recente (2016/2017), disponível para consulta pública na página do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT¹), o 2° Juizado Especial Cível de Brasília definiu a revisão de reajuste de plano de saúde coletivo, argumentando que a variação dos custos médico-hospitalares e a sinistralidade não levariam ao percentual de reajuste proposto pela operadora. Mesmo reiterando que planos coletivos não seguem os parâmetros delineados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a magistrada que analisou o caso determinou como teto do reajuste para aquele plano o mesmo reajuste determinado pela ANS para planos individuais e familiares em 2017, de 13,55% (!)
A Justiça recebe pedidos semelhantes rotineiramente e, além de desconsiderar a LPS, é comum condenar as OPS a ressarcir possíveis pagamentos de contraprestação (mensalidades) já efetuados pelo beneficiário, além das custas dos processos. Ora, se o equilíbrio financeiro de operadoras depende da justa correção de valores, como evitar um colapso do setor?
A legislação é clara quanto aos reajustes anuais
O artigo 16 da LPS determina uma série de condições que devem estar claras antes da contratação do plano. Entre elas figuram o regime ou tipo de contratação (inciso VII) e os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias (inciso XI). Segundo a Instrução Normativa nº 23/09, os contratos de planos coletivos devem prever as regras para aplicação de reajuste “considerando qualquer variação positiva na contraprestação pecuniária, inclusive quando decorrente de revisão ou reequilíbrio econômico-atuarial do contrato”. Em época de revisão de valores, a operadora e o contratante devem ter livre negociação para chegarem ao percentual de reajuste.
A previsão da sinistralidade tem como base a proporção entre as despesas assistenciais e as receitas diretas do plano, apuradas no período de 12 meses consecutivos, e pela Resolução Normativa 195, artigo 21, “não poderá haver distinção quanto ao valor da contraprestação entre os beneficiários que vierem a ser incluídos no contrato e os a ele já vinculados, inclusive na forma de contratação prevista no inciso III do art. 23 desta RN”.
Tudo claro, definido, acordado na assinatura do contrato.
Judicialização
Frente aos termos antes mencionados e assinados de comum acordo pelas partes, parece absolutamente incoerente uma ação para igualar os reajustes anuais de um tipo de plano e de outro. Claro, o acesso à Justiça é um dos pilares da civilização moderna e todo cidadão deve ter o direito de procurar a Lei quando sente que algo não está adequado. Contudo, é dever do Judiciário não só evitar desequilíbrio entre as partes, como assegurar que as leis sejam cumpridas.
Entretanto, contestações de reajuste anual na Justiça se tornaram frequentes e continuam crescendo ano após ano. Em 2017, o Tribunal de Justiça de São Paulo registrou recorde de julgamentos desse tipo de processo. Foram, em média, 120 por dia útil. O que totaliza mais de 30 mil decisões em primeira e segunda instâncias, um recorde histórico. Apenas para comparação, em 2011, foram registradas 7.019 ações dessa natureza. O que representa um avanço de mais de 320% em seis anos. Os dados são de pesquisa realizada por um grupo ligado à Faculdade de Medicina da USP.
O olhar das operadoras
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) e a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), entidades que representam um grupo de OPS, reiteraram, em matéria publicada em agosto de 2017 pelo El País², que os reajustes consideram não apenas a variação dos custos na saúde, mas o crescimento da utilização dos serviços, a incorporação de novas e caras tecnologias, o envelhecimento da população e a existência de desperdícios ou fraudes. Segundo a FenaSaúde, em 2016, o número de procedimentos cresceu 6,4%, num total de 1,5 bilhão, na contramão da carteira de clientes, que sofreu baixa de 2,7 milhões usuários em dois anos. A entidade exemplificou da seguinte forma: “se o preço da ressonância magnética aumenta 20% e a quantidade de exames em 25%, o efeito combinado disso é um aumento de quase 50% na despesa”.
Desequilíbrio
Parece claro que desconsiderar a LPS e os contratos firmados, além de gerar insegurança jurídica, significa decretar um nítido desequilíbrio econômico-financeiro que, com o tempo, tende a por em xeque a sustentabilidade do setor de saúde suplementar. Ou há incompreensão dessa dinâmica ou, talvez, exista algum oportunismo para o aumento da Judicialização na Saúde. Mas esse é um assunto para outro artigo.
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² Extraído do site https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/09/economia/1502240870_584507.html, acessado em 19.02.2018