A Lei dos Planos de Saúde (9.656/98) definiu como único critério de cobrança diferenciada da mensalidade a idade do beneficiário e possibilitou às operadoras aplicarem o reajuste conforme o envelhecimento do usuário, contanto que estabelecido no contrato as faixas etárias e respectivos percentuais. Entre 1998 e 2003, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, no âmbito de sua competência normativa conferida pela Lei nº 9.961/00, segregou as faixas etárias em sete grupos, sendo os dois últimos de 60 a 69 anos e de 70 anos em diante.
É bem verdade que, nas faixas etárias mais jovens, o assunto não gerou grandes impactos, concentrando-se que parte considerável das ações judiciais questiona esses reajustes nas idades mais avançadas.
Entretanto, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), em 2004, resolveu-se a questão do reajuste por mudança de faixa etária aos 60 anos, restando vedada essa majoração, independentemente do modelo de contratação.
Assim, a ANS criou novas regras. A Resolução Normativa nº 63/03 elevou para dez os grupos de faixas etárias de cada contrato, sendo a última de 59 anos em diante, evitando-se qualquer majoração à mensalidade do idoso. Ademais, foram estabelecidos critérios atuariais de proporção entre os percentuais de reajustes fixados para cada faixa etária, de forma exatamente a não concentrar somente nas últimas faixas os maiores percentuais. A título de exemplo, o reajuste para o beneficiário de 59 anos não pode exceder seis vezes o valor aplicado na primeira faixa (até os 18 anos).
Todavia, nem o Estatuto do Idoso, tampouco a recente resolução editada pela ANS, dirimiram a questão, persistindo a discussão acerca da legalidade do reajuste por mudança de faixa etária, com foco na última faixa etária de 59 anos.
O STJ, então, resolveu colocar fim à controvérsia. A decisão afetou o Recurso Especial nº 1568244-RJ, para julgamento pela sistemática dos recursos repetitivos, consoante ao Código de Processo Civil, tendo a 2ª Seção daquela Corte, sob a relatoria do ministro Ricardo Villas Boas Cueva, por unanimidade, entendido pela legalidade dos reajustes a partir de critérios a serem considerados, definindo a seguinte tese jurídica a ser aplicada em todas as ações judiciais contendo esse objeto: “o reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que: (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.”
Sem dúvidas esse julgamento revela significativo precedente ao mercado de planos de saúde, haja vista ter reconhecido a legalidade da majoração da mensalidade do plano de saúde a partir dos 59 anos, bem como fixou critérios objetivos para sua verificação.
Contudo, a inclusão na referida tese do termo “plano de saúde individual ou familiar” e as inúmeras interpretações às normas expedidas pelos órgãos reguladores, mais especificamente a RN nº 63/03, mantiveram a discussão sobre a legalidade de reajustes por faixa etária para beneficiários com 59 anos ou mais nas esferas estaduais. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aceitou um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) sobre o tema, devido ao expressivo volume de processos dessa natureza e à quantidade de decisões divergentes que se sucederam após o julgamento pelo STJ.
Segundo o Tribunal paulista, haveria necessidade de dirimir a questão no âmbito dos contratos coletivos e esclarecer a forma de verificação do cumprimento pelas operadoras dos critérios estabelecidos na RN nº 63/03.
A análise do referido IRDR deve ocorrer ainda no primeiro semestre deste ano, pela Seção Especial de Direito Privado I do TJ-SP, havendo grande expectativa no mercado, sobretudo porque eventual decisão contrária ao que foi definido pelo STJ trará ainda mais debates jurídicos.
Não se questiona a iniciativa do Tribunal paulista, mas o fato é que a controvérsia já foi dirimida pelo STJ e a tese jurídica firmada por aquela Corte possui contornos muito objetivos e de fácil verificação. Vejamos:
– Ausência de Distinção entre os percentuais de reajuste por faixa etária no plano coletivo e no individual/familiar.
O modelo de contratação não foi estabelecido pela ANS como fator diferenciador dos percentuais de reajuste por mudança de faixa etária, tampouco há essa distinção na lei dos planos de saúde, ou seja, trata-se de critério inexistente para fins de fixação do percentual de reajuste a ser aplicado no momento do incremento da idade, de forma que a decisão do STJ possui plena eficácia nos contratos coletivos.
– Necessidade dos Reajustes por aumento da idade do beneficiário – O Pacto Intergeracional
É preciso entender que o mercado de saúde é bem mais complexo do que um mercado de produtos ou serviços cujo preço de venda é o resultado da soma dos custos e margem de lucro. Existem desdobramentos que ultrapassam essa simples cadeia: operadoras e seguradoras de planos, prestadores de serviços (hospitais, consultórios, clínicas e laboratórios), fornecedores de medicamentos e materiais, de equipamentos médicos e de insumos. Ao contratar um plano, o beneficiário dispõe desses serviços e cada um dos elos dessa cadeia tem o seu preço. Quanto mais se utiliza, mais se gasta.
O custo assistencial da saúde também se relaciona proporcionalmente ao envelhecimento da população: cada vez mais pessoas passam a utilizar o sistema, considerando a alta incidência de doenças crônicas. Com o Pacto Intergeracional, os beneficiários que recorrem com menos frequência aos serviços oferecidos pelos planos ajudam a custear o grupo que mais utiliza. O pacto representa a solidariedade entre as gerações e busca assegurar mais equilíbrio ao setor, de forma que o mais jovem é que suportará proporcionalmente o custo dos beneficiários idosos.
Assim, imaginar um cenário em que somente os mais jovens suportariam esses reajustes trata-se não só de verdadeira subversão à própria lógica do mutualismo, essência de contratos dessa natureza, como também um claro risco ao desestímulo do ingresso dos mais jovens nesses planos de saúde, que passariam a ter interesse pela adesão somente quando alcançassem a idade avançada, levando à ruína tal sistema, a médio prazo.
Critérios Objetivos estabelecidos pelo STJ – Controle Fiscalizatório já exercido pela ANS
A 2ª Seção do STJ analisou de forma plena e objetiva a questão sobre os reajustes. Não há subjetividade alguma nos critérios estabelecidos para verificação da legalidade dos reajustes por mudança de faixa etária em cada caso concreto. Primeiro porque a previsão contratual é questão de simples apuração, bastando verificar a disposição contratual que estabelece o reajuste com respectivo percentual e, segundo, porque a confirmação da obediência à RN nº 63/03 é realizada pela própria ANS, por meio da Nota Técnica de Registro de Produto (NTRP). Este documento contém os percentuais de reajuste em base atuarial idônea, sendo apresentado pelas operadoras à Agência quando do registro de seus planos para aprovação pelo corpo técnico de servidores da autarquia.
Nosso escritório tem participado ativamente das discussões acerca do tema, e estará presente no julgamento do IRDR no Tribunal Paulista, contribuindo para o Poder Judiciário encontrar a melhor solução jurídica à tamanha controvérsia.