É fato que se um maior número de temas fosse pacificado, não acompanharíamos de perto a enxurrada de ações na Justiça que vemos relacionadas ao setor da saúde. Logo, é com bom olhos que lemos nesta semana a reportagem d’ O Globo que mostrou a revisão de determinadas ações contra os planos.
Segundo a publicação, apenas de janeiro a junho deste ano, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), foram 16.055 ações analisadas, quase cinco vezes o volume registrado no mesmo período de 2011, com um total de 3.300, como mostram os dados do Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar, da Universidade de São Paulo (USP).
Não é à toa que temos mostrado periodicamente como o excesso de Judicialização impacta diretamente não apenas essa área. A chamada “crise sanitária” em que não só o Brasil, mas diversos países estão mergulhados, já foi tema de outro artigo nosso. Muito além do conjunto de crises políticas, econômicas, ambientais e outras, a sanitária agrava a já tão eloquente questão da qualidade de vida de milhões de brasileiros. Porém, a reflexão sobre o tema – que passa pela Judicialização da vida e da saúde – parece ser inversamente proporcional ao tamanho e urgência da questão.
Os números, superlativos, falam por si. Como mostramos no período entre 2014 e 2016, o total de ações judiciais envolvendo a saúde teve expansão de 243%, segundo o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ao longo de 2016, em todo o País, tivemos 109,1 milhões de processos. Dentre eles, cerca de 1,4 milhão são do setor, ou seja, 1,5% de todos os processos em tramitação no judiciário no País.
Isso tudo, claro, tem um preço. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou que entre 2010 e 2015 foram consumidos R$ 1,5 bilhão de recursos federais apenas com a compra de três medicamentos de alta complexidade por determinações judiciais. Esse valor é maior do que o recurso utilizado para a compra de todos os demais medicamentos adquiridos por via do Judiciário. Já na saúde suplementar, estimativa da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) aponta que a despesa com ordens judiciais passou de R$ 558 milhões, em 2013, para R$ 1,2 bilhão, em 2015. Ou seja, mais do que dobrou no período.
Voltando à reportagem, a publicação aponta alguns temas revistos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que se refere à saúde:
- O órgão passou a entender que não há obrigatoriedade de o plano de saúde custear medicamentos importados não registrados pela Anvisa;
- A Justiça considerou o reajuste válido, para quem tem mais de 59 anos, se estiver previsto no contrato;
- O STJ avaliou que pagar só a coparticipação de procedimentos não dá direito à manutenção no plano coletivo, após demissão ou aposentadoria.
Pois bem. Não é de hoje que temos acompanhado e feito parte da construção de ferramentas para auxiliar magistrados na decisão pautada pela correta evidência médica, no respeito ao indivíduo e aos contratos firmados. Recentemente, tivemos a oportunidade de acompanhar palestra proferida por ilustríssimo Ministro – que priorizamos o respeito de não citar – que lembrou que a intervenção excessiva e inadequada do Judiciário, por melhor intencionada que seja, pode comprometer o mercado de leasing no Brasil. Ao defender o que pode e o que não pode ser ofertado, restringe-se o poder de escolha desse consumidor, enfraquece seu direito e dificulta o acesso a produtos e serviços que lhe podem ser de grande valia.
É importante perceber, portanto, que mesmo que com passos curtos, parece que se inicia um movimento no Judiciário de mudança para decisões melhor embasadas tecnicamente e visando à continuidade dos sistemas de saúde. Historicamente pautado no desrespeito aos contratos por parte do poder Judiciário, o mercado de saúde suplementar ganha esperança com as recentes decisões. Esse sinal pode gerar mais confiança jurídica no mercado e, consequentemente, garantir melhor acesso ao consumidor.