Interpretação equivocada da RN nº 433/18 chega ao STF

Não precisa ser expert no setor para saber: a grande polêmica do ano envolvendo a saúde suplementar no país é, certamente, o debate envolvendo os planos de saúde com franquia e coparticipação. Como apontamos aqui, a celeuma quanto ao tema ganhou grande repercussão no primeiro semestre em função da medida até então em análise pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e, nas últimas semanas, após a publicação da Resolução Normativa n° 433, que atualiza as regras para estas modalidades da assistência da saúde suplementar no Brasil, ter sido alvo de ataques por diferentes setores.

Mas afinal, a contenda é justificada? Antes de tudo, é importante apresentar alguns aspectos para entender melhor a questão. Presumidas desde a Lei n° 9656 (Lei dos Planos de Saúde) em 1998, as duas modalidades ainda careciam de regras mais específicas para sua maior disseminação e conhecimento por toda a sociedade, o que foi timidamente realizado pela Resolução CONSU 8/98, bem antes da criação da ANS. A norma publicada pela ANS no dia 28 de junho, após ampla Consulta Pública buscou, portanto, preencher as falhas existentes na legislação para garantir maior segurança jurídica e previsibilidade tanto para o consumidor quanto para os diferentes agentes do setor. 

Dessa maneira, a RN n° 433/18 determinou os limites mensais e anuais que o consumidor poderá pagar pelos diversos procedimentos e ainda definiu uma lista de mais de 250 itens isentos de cobrança, como tratamentos de doenças crônicas e câncer, exames preventivos, entre outros. Por meio desse dispositivo, a norma adiciona camadas de proteção ao consumidor para modalidades já existentes mas, até então, pouco reguladas pela ANS. Um exemplo é a definição de porcentual máximo (bastante modesto em comparação ao utilizado em outros países) do valor do procedimento para produtos com coparticipação, garantindo maior previsibilidade e redução do desperdício.

Ainda segundo a RN nº 433/18, o valor máximo que o beneficiário poderá pagar pela coparticipação não deve ultrapassar o valor correspondente à contraprestação (mensalidade) e/ou a 12 mensalidades no ano (limite anual). Isso significa que se a mensalidade for de R$500, por exemplo, o teto limite para gastos extras com franquia e coparticipação, diluído ao longo dos meses, será de R$6 mil (R$500 vezes 12 meses do ano). 

Esse é um importante pilar da publicação para garantir maior segurança jurídica, previsibilidade e redução do desperdício em toda a cadeia. Para a elaboração da norma, a ANS realizou estudo de impacto regulatório apontando que planos com franquia e coparticipação têm, em média, a contraprestação pecuniária 20% abaixo dos planos tradicionais, podendo chegar a 30%. 

Publicada no final de junho, a norma estava prevista para entrar em vigor em seis meses – prazo dado para a adaptação das operadoras às novas regras. No entanto, a reprodução e interpretação de modo equivocado por setores da mídia e entidades de defesa do consumidor chegou ao Judiciário. No último dia 16 de julho, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministra Cármen Lúcia, suspendeu a RN nº 433/18 da ANS. A decisão foi tomada em caráter liminar pela presidente por conta do recesso do Judiciário neste mês de julho, já que o relator natural do pedido é o Ministro Celso de Mello, que deve reexaminar a decisão da Presidente e enviá-la à apreciação do plenário da Corte no próximo mês.

Ainda que provisória, a suspensão da norma reacendeu o debate acerca do tema no que tange aos sistemas de saúde, da justiça e de defesa do consumidor. Ao que parece, a postura da Presidente do STF faz eco com a equivocada interpretação de alguns pontos cruciais da RN que merecem atenção e esclarecimentos.

Em primeiro lugar, a norma não é aplicada aos planos vigentes atualmente, mas regula as modalidades já previstas há 20 anos por meio de novas condições contratuais em que a franquia e coparticipação compensam uma menor contraprestação. Existe uma clausula na RN n° 433/18 que assegura que os contratos antigos serão preservados.

Segundo ponto, o dispositivo não altera nada nos planos tradicionais já comercializados hoje em dia, que continuarão disponíveis para usuários e empresas contratantes. O que muda com sua aplicação é a ampliação do leque de produtos ofertados, ficando a critério do contratante a opção pelas diferentes modalidades de acordo com seu perfil de utilização e necessidades. Com regras mais claras, as operadoras vão ofertar mais opções de planos com coparticipação e franquia. No ramo empresarial, por exemplo, as operadoras já ofertavam uma grande porcentagem de produtos com limitadores de frequência.

Voltando à questão inicial e diante do que foi exposto, a resolução não traz grande impacto para o setor nem a flexibilização, de fato, da CONSU n° 8, de 3 de novembro de 1998, apontada aqui – que veda a cobrança integral ao beneficiário por procedimentos de saúde –, mas impõem camadas de proteção ao consumidor por meio do teto de pagamento e dos limites percentuais para ambas as modalidades. Ao contrário, a medida intervencionista da ANS e seu grau de proteção exagerado deve impactar a capacidade das operadoras de reduzir a mensalidade do plano com fator moderador. 

Ainda há uma série de pontas soltas relativas à RN n° 433/18 que deverão ser esclarecidas ao longo desse semestre. Seguiremos acompanhando o desenrolar da controvérsia para ampliar o debate em todo o setor.

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