No mês de outubro, a juíza titular de uma das varas cíveis da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro teve a oportunidade de se debruçar sobre lide cujo pano de fundo era a alegação de erro médico.
No caso concreto, após sofrer acidente, o paciente foi diagnosticado com fratura no braço, sendo indicado procedimento cirúrgico. Acontece que, mesmo depois da cirurgia, o paciente seguiu experimentando dores.
Descobriu, segundo alega, que os parafusos implantados para auxílio na correção da fratura se encontravam mal posicionados, o que levou à necessidade de nova cirurgia. Na percepção do autor da ação, assim, houve equívoco na abordagem ortopédica.
A produção da prova pericial, ao contrário do sentir do demandante, foi certeira ao destacar que não houve qualquer negligência, imperícia ou imprudência no tratamento prestado ao paciente. De acordo com a perita judicial, a presença do parafuso intra-articular é uma complicação prevista na literatura médica.
Sobre esta conclusão, a douta magistrada acrescentou que o resultado da cirurgia, desfavorável, é verdade, deveu-se às incertezas das reações do corpo humano, muitas vezes alheias ao controle médico.
O diagnóstico é dependente do conhecimento científico disponível em sua época. Mesmo Hipócrates, considerado o “Pai da Medicina”, atribuía o aparecimento de doenças ao ar, água e locais insalubres.[1] Essa corrente tentou, por muito tempo, explicar a raiz das doenças.
Mastromauro destaca que os miasmas mortíferos eram associados a vocábulos como “emanações nocivas, pântanos, insalubridade, ar insalubre, mortífero, infectato, decomposições de matérias vegetais e animais”.[2]
Atualmente, o progresso científico permite diagnósticos e tratamentos muito mais acertados, mas, ainda assim, não é possível compreender completamente as reverberações orgânicas e as reações do corpo às abordagens médicas. É por isso que é assente na doutrina e na jurisprudência que a obrigação do médico é de meio, não de resultado — já que a ele não é dado o conhecimento absoluto do corpo, tampouco se lhe impõe a obrigação de curar.
Nos últimos anos, muitos artigos foram publicados em aprofundamento ao que se chama de Medicina de Precisão, iniciativa lançada pelo National Institute of Health, em 2015. Essa iniciativa pode ser definida como “uma abordagem emergente para tratamento e prevenção de doenças que leva em consideração a variabilidade individual em genes, meio ambiente e estilo de vida para cada pessoa”.[3]
Nakanishi lembra que a medicina de precisão acompanha a evolução científica, principalmente as relacionadas às mensurações biológico-moleculares e de informática analítica. Os primeiros instrumentos dão conta de aprofundar a variabilidade dos genes, proteínas e metabólitos, que serão objeto de análise deste último campo — tudo para tornar mais preciso o comportamento das doenças e as reações dos indivíduos.[4]
Hoje, os tratamentos devem ser definidos pelo médico e pelo paciente e bem esclarecidos a respeito de seus riscos e benefícios, bem como das intercorrências conhecidas, inerentes à terapia. Em algum momento, no futuro, contudo, é provável que estes riscos sejam bem melhor conhecidos e as abordagens médicas, conduzidas de forma mais confortável.
[1]RODRIGUES, Talita. Determinação social da saúde. 2015. EPSJV/Fiocruz. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/acontece-na-epsjv/determinacao-social-da-saude. Acesso em 9 nov. 2021.
2MASTROMAURO, Giovana Carla. Surtos epidêmicos, teoria miasmática e teoria bacteriológica: instrumentos de intervenção nos comportamentos dos habitantes da cidade do século XIXI e início do XX. 2011. Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300472386_ARQUIVO_Mastromauro.pdf. Acesso em 9 nov. 2021.
3NAKANISHI, Márcio. Medicina de precisão. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/bjorl/a/9FJvZZ4syTbyfvZxPqHw4VH/?lang=pt. Acesso em 9 nov. 2021.
4NAKANISHI, Márcio. Op. Cit.