Importação de medicamentos não autorizados é um risco para beneficiários

No Brasil, como sabido, temos como autoridade sanitária a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, que é responsável pelo controle da produção e consumo de produtos e serviços. A atividade abrange ambientes, processos, insumos e tecnologias e se estende, também, ao controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados. No que diz respeito aos medicamentos, somente aqueles que foram aprovados e registrados pela Anvisa podem ser comercializados, e essa restrição visa a segurança da saúde pública.

A autoridade da Anvisa sobre medicamentos tem sido posta em questão por magistrados que entendem como direito do consumidor o acesso a importados que ainda não obtiveram registro para comercialização no mercado interno. No limite, a controvérsia tem como efeito aumentar o volume de processos judiciais.

Por essa razão, o IESS (Instituto de Estudos em Saúde Suplementar), foi instado a se manifestar no Recurso Repetitivo em curso no STJ cujo foco é definir se as operadoras de planos de saúde estão obrigadas ou não a fornecer medicamento importado e não registrado na ANVISA.

O documento produzido pelo IESS é uma rica contribuição, do qual recomendo vivamente a leitura. Vou procurar condensar aqui os pontos que me parecem mais decisivos para compreensão do tema. Iniciarei pelos requisitos para que o medicamento obtenha o registro, um processo que nem todos conhecem.

Para autorização, é preciso que sejam realizados estudos pré-clínicos (geralmente em animais e in vitro) e estudos clínicos (em pessoas). Os testes em pessoas seguem três fases. Na primeira fase, os testes avaliam a segurança dos medicamentos. Na segunda fase, eles verificam sua eficácia em ambiente clínico controlado, com poucos pacientes. Na terceira fase, os testes se estendem a grandes amostras para confirmar os testes anteriores e adicionar variáveis como idade, raça, interações medicamentosas e outros riscos.

Somente depois de cumpridas todas essas etapas, a autoridade sanitária analisa as informações, reunindo também dados sobre o processo de produção e análises específicas, principalmente sobre a estabilidade do produto, para verificação do prazo de validade. Outras questões que entram na análise para aprovação do registro são os impactos do medicamento, por exemplo, se ele melhora a expectativa de vida, qual a perspectiva de cura, quais os seus riscos, quanto ele vai custar, e outros fatores que afetam a vida do paciente.

É importante que se compreenda que o registro do medicamento no país de origem é uma das condições fundamentais para a solicitação do registro na Anvisa. O fato de ter sido reconhecido pela autoridade sanitária do país de origem, portanto, não atesta a sua segurança para uso em território brasileiro, mas é condição mínima para que tenha seu pedido de registro avaliado. O critério é uma salvaguarda tanto para os riscos de estrutura sanitária do país de origem quanto para a verificação dos fatores de aplicação farmacêutica, como o perfil epidemiológico da população.

A conclusão do IESS sobre o assunto de registro de medicamentos é que se trata de um ato sanitário que não pode ser “desconsiderado ou mitigado” sem consequências e efeitos colaterais para os pacientes. Essa responsabilidade não esgota o papel da Anvisa uma vez que há outros fatores a serem observados. Além dos riscos para a saúde coletiva, existem as questões sociais e financeiras relacionadas ao registro do medicamento que precisam ser consideradas. Depois de aprovados pela autoridade sanitária, os medicamentos passam ainda pela etapa de registro e negociação de preços com a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED e, também, pela análise da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias – CONITEC, do SUS. É então que se definem as variáveis para o preço do produto, como a expectativa de consumo e os gastos prováveis.

Isso significa que as decisões judiciais que se sobrepõem aos processos da Anvisa ainda causam um prejuízo adicional para o sistema de saúde, porque nessa circunstância o exportador impõe os preços. Quando se recorda que a saúde suplementar é mantida pela mutualidade das contribuições, a conclusão é que o plano se tornará mais oneroso para os demais beneficiários. Já tratamos anteriormente sobre os custos da judicialização da saúde no País, com dados do Conselho Nacional de Justiça que demonstram como a saúde suplementar representa parte significativa dos processos, com expansão de 243% entre 2014 e 2016.

Decisões que desconsideram os processos sanitários, econômicos e sociais envolvidos na aprovação, registro, comercialização e cobertura dos medicamentos podem ter um efeito oposto ao que se imagina – em vez de trazer benefícios ao consumidor, podem lhe ser prejudiciais, primeiramente pelo uso de substâncias ainda não verificadas e devidamente testadas. Se pensamos na saúde pública, certamente prejudica-se a maioria na tentativa de beneficiar indivíduos. E, quando pensamos do ponto de vista financeiro, todos são prejudicados. Faz-se necessário, portanto, conhecer o trabalho que precede o registro do medicamento, e que envolve conhecimento científico de inúmeros profissionais, bem como planejamento e execução de políticas de saúde pública.

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