Na semana passada (24/02), o jornal A Tribuna, periódico que circula no litoral paulista, publicou reportagem sobre o desfecho de ação judicial em que uma beneficiária exigia de seu plano de saúde cobertura de home care. Apesar de o serviço não constar do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Judiciário entendeu que a operadora deveria arcar com os custos, engrossando a lista de deliberações favoráveis às famílias. Ainda segundo a reportagem, um levantamento recente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) apontou que o total de decisões de primeira instância determinando que operadoras de planos de saúde (OPS) cubram os custos de home care de seus beneficiários cresceu 1.345% nos últimos quatro anos, saltando de 42 decisões, em 2012, para 565, em 2016.
Apesar de acreditarmos que ofertar home care aos beneficiários possa ser um fator importante tanto para a saúde financeira das OPS quanto para a qualidade assistencial e o conforto dos beneficiários, entendemos que é um equívoco desconsiderar a regulação setorial determinada pela ANS. Primeiro porque decisões que contestam a regulação trazem insegurança jurídica, carecem de previsibilidade e geram um desequilíbrio econômico-financeiro; depois porque não há condições de ofertar tudo para todo mundo o tempo todo. Frise-se, o Princípio da Universalidade é do Sistema Único de Saúde (SUS) – inciso I, art. 7º da Lei nº 8.080/90 e não do setor suplementar. Assim, recursos deslocados para atender um beneficiário específico certamente deixarão de ser empregados para o coletivo. Na prática, essas decisões significam privilegiar poucos em detrimento de muitos, o que sempre faz acender uma luz de alerta, sobretudo no setor de saúde suplementar.
A ANS, órgão que regula o setor, está vinculada ao Ministério da Saúde. Fica submetido à Agência o “conjunto de medidas e ações do Governo que envolvem a criação de normas, o controle e a fiscalização de segmentos de mercado explorados por empresas para assegurar o interesse público”. A prática do setor segue as determinações da Lei nº 9.656/98 – Lei dos Planos de Saúde, que garante ao beneficiário receber pelo que contratou, que são os serviços listados no rol de procedimentos.
Em suas decisões, muitas vezes por falta do adequado suporte técnico, os magistrados alegam que a operadora contraria a sua finalidade quando questiona ou se nega a arcar com os custos de home care. Ou seja, que deixa de dar assistência à saúde do beneficiário. Mais de 90% dos magistrados vêm apresentando esse argumento e citam o Código de Defesa do Consumidor e os Princípios Fundamentais da Constituição. Está aí o equívoco. Ao negar cobertura, a operadora não deixa de dar assistência ao beneficiário. Afinal, negar um procedimento que não consta no rol da ANS não significa negligenciar o beneficiário, pois ele terá toda a assistência prevista na legislação.
A medida geralmente colocada como solução é normatizar a cobertura de home care. O que, de fato, poderia diminuir a Judicialização, entretanto, em nossa visão, a inclusão do procedimento no rol da ANS exige amplo debate, principalmente quanto ao impacto regulatório.
Veja. O médico prescreve assistência domiciliar quando o paciente precisa prosseguir seu tratamento em ambiente mais protegido, onde os riscos de locomoção e de infecção são menores. Considera até mesmo que estar mais próximo dos familiares traz melhoras ao quadro clínico. Essas prescrições são habituais às operadoras, e muitas delas sequer questionam. Por liberalidade algumas arcam com os custos, pois entendem que o ideal à recuperação desse paciente é ter os cuidados hospitalares em casa até receber alta.
O que está fora da alçada dos planos de saúde é custear os cuidados continuados, geralmente indicados para pacientes crônicos. Não cabe ao plano subsidiar o trabalho de cuidadores que não estão necessariamente ligados ao atendimento médico. Perceba, se o paciente não precisa mais de procedimentos hospitalares, por que então o custo deve recair sobre a operadora? Neste momento, a família deve ter papel protagonista.
Em muitas situações, a tendência é que o paciente fique em home care por anos. Claro, excelente que a Medicina possa oferecer mais longevidade, todos torcemos por isso, mas na perspectiva dos planos, este aspecto impacta diretamente na relação de mutualismo, um dos princípios para precificar os produtos – na hora de fazer a conta do reajuste da mensalidade, expectativa de vida e incidência de tratamento precisam entrar no cálculo para que se mantenha o equilíbrio do setor.
Home care é assistência médica domiciliar, e não cuidados continuados. A família pode ter o suporte das operadoras por período determinado, como visitas de enfermeiros ou médicos, o que é diferente de transferir para o plano de saúde o cuidado do paciente.