Greve dos rodoviários e seus reflexos no mercado segurador

No ano de 2015 os caminhoneiros protestaram e obtiveram a isenção de pedágio para os veículos de transporte de carga considerados vazios (com um ou mais eixos suspensos), por meio do artigo 17 da Lei nº 13.103/2015, batizada como a “Lei do Caminhoneiro”.

A reivindicação que objetivava a redução do preço dos combustíveis, no entanto, foi ignorada na ocasião pelo Governo que, em sentido oposto, autorizou desde Julho/2017 o aumento do preço do diesel, o qual corresponde a aproximadamente 42% do custo do caminhoneiro autônomo, quase que diariamente.

A desenfreada elevação do preço, por seu turno, provocou o anúncio no último dia 18/05/2018 de que a partir de 21/05/2018 seria paralisada a atividade dos rodoviários, caso não houvesse a exclusão da carga tributária sobre o diesel. 

Coincidentemente, no mesmo dia a Petrobrás divulgou aumento nas refinarias de 0,80% no preço do diesel e de 1,34% sobre a gasolina.

A ameaça de paralisação da atividade foi o prenúncio de que todos os setores da economia poderiam sofrer reflexos extremamente negativos, especialmente a indústria da soja, considerando o término recente da colheita e a probabilidade elevada de o mercado internacional não contar com o produto do Brasil, que vem a ser o maior exportador global nesse segmento.

Não precisa ser dos mais ligados aos acontecimentos nacionais para ser impactado. Os últimos dias têm sido de caos, independente da região em que se vive, área de atuação, rotina ou outras características sociais e econômicas.

A paralisação dos caminhoneiros trouxe consequências pouco esperadas por parte da população e governantes, com amplos reflexos sociais – como de reposição de itens de primeira necessidade, combustíveis, redução de veículos no transporte coletivo, suspensão de aulas e de trabalho – e, claro, diminuição do ritmo da economia em todos os setores. 

Em que pese a orientação dos líderes dos movimentos no sentido de que os motoristas não carregassem seus caminhões e não aceitassem novas cargas, os centros de abastecimentos de alimentos e os postos de combustíveis em todo o país permaneceram desguarnecidos, enquanto perdurou o impasse.

Como não se via há muito, a questão empurrou os setores da agricultura, indústria, comércio e serviços para um estado de incerteza não só pela crise do abastecimento em si, mas pelo efeito cascata que se seguiu, gerando a insolvência na produção nacional por diferentes aspectos. 

As paralisações já resultam em perdas bilionárias para os setores privados e a própria União em termos de arrecadação de impostos. Estimativa do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) aponta que R$ 26,3 bilhões deixaram de circular na economia brasileira com negócios que não puderam ser fechados.

Há mais números que impressionam. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) estima perdas de R$ 2,4 bilhões no setor; indústria de frangos e suínos mede prejuízo de R$ 1,8 bilhão, com lotes que não puderam ser despachadas para o mercado interno e externo; perdas de R$ 620 milhões de acordo com a Associação Brasileira de Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) – que controla a carne bovina; R$ 280 milhões de queda no faturamento do comércio eletrônico; R$ 50 milhões de danos às empresas aéreas; R$ 546 milhões de perda para a indústria do café; R$ 1,2 bilhão na têxtil; R$ 1 bilhão deixou de ser faturado no setor farmacêutico; R$ 1,3 bilhão no automotivo por conta da paralisação das fábricas e dano de R$ 1,1 bilhão aos produtores nacionais, como o leite, segundo a Confederação da Agropecuária (CNA). Isso tudo sem falar dos mais de R$ 3,8 bilhões não arrecadados, de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

Tal projeção negativa é integrada pelas mercadorias perdidas durante a execução do transporte rodoviário, em razão da paralisação anunciada.

Mais do que o visível desabastecimento de produtos comuns ao dia a dia, a paralisação gerou elevadas perdas para todos os segmentos da economia e muita reflexão. Com tantos números negativos, para quem vai ficar essa conta?

Como se não bastasse a elevadíssima sinistralidade proveniente do aumento de roubos de cargas nas rodovias nacionais, especialmente no eixo Rio x São Paulo, esse cenário é igualmente preocupante para o mercado segurador nacional, haja vista a possibilidade de eventuais lesados reclamarem as perdas sofridas, decorrentes do perecimento e até mesmo do roubo das mercadorias transportadas, expostas a maior risco enquanto os caminhões estiverem fora de suas respectivas garagens.

Nessa toada convém refletir a respeito das normas aplicáveis ao tema, a fim de avaliar possíveis formas de condução desse grave problema, cuja repercussão preocupa as seguradoras e o mercado segurador como um todo.

O artigo 12 da Lei nº 11.442/2007, que disciplina o transporte rodoviário de cargas, prevê as hipóteses em que o transportador é eximido da sua responsabilidade. Dentre tais hipóteses (inciso VI) está a contratação de seguro contra perdas ou danos causados à carga.

O sábio legislador, no entanto, definiu (no parágrafo único do citado dispositivo legal) que “o transportador e seus subcontratados serão responsáveis pela agravação das perdas ou danos a que derem causa”.

Logo, a despeito do direito de greve em busca da redução do preço dos combustíveis, os transportadores rodoviários que contribuíram para as perdas sofridas poderão ser responsabilizados pelos prejuízos causados, sobretudo se o exercício do direito de greve for reputado abusivo por prejudicar serviços essenciais à distribuição de gás, combustíveis, medicamentos e alimentos.

A questão, contudo, ainda dará muito o que discutir. Como bem divulgado pela imprensa e apontado pelo Ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, o governo apura se há práticas de locaute em meio à paralisação caminhoneiros dos últimos dias. 

Originado do termo inglês lock out, a prática é configurada quando a classe patronal de determinado setor recusa-se proporcionar aos trabalhadores os instrumentos necessários para a realização de suas atividades. O movimento, portanto, agiria com interesse próprio, normalmente econômico, não em benefício dos trabalhadores – o que é vedada pela Constituição. O artigo 17 da Lei nº 7.783/89 é claro quando dispõe que “Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout)”.

A suspeita de locaute – investigado pela Polícia Federal e que já é objeto de ação proposta pelo Ministério Público Federal – reforça a responsabilidade das transportadoras pelos danos eventualmente causados às mercadorias, considerando que tal prática pode ser considerada crime contra a organização do trabalho e a ordem econômica, ao restringir a livre circulação de bens, a movimentação da economia e a produção de riquezas.

Enfim, além de evidenciar a falta de investimentos em infraestrutura capaz de aprimorar o escoamento da produção nacional por meio de ferrovias e hidrovias, a paralisação dos caminhoneiros – motoristas autônomos e eventualmente donos de transportadoras – pode sofrer o revés de ter que responder integralmente pelas perdas causadas, haja vista a possibilidade de o mercado segurador não os indenizar, considerando a legislação aplicável que o ampara. 

Portanto, a simples pergunta “Quem pagará a conta?” ainda fica difícil responder. Essa talvez possa ser substituída por uma série delas, como: “De que modo a conta deverá ser paga?”; “A ulterior confirmação do locaute e a caracterização da ilegalidade do movimento grevista é capaz de desonerar o setor de seguros?”; “A sociedade sofrerá ainda mais impactos com as desonerações prometidas ao setor de transportes?”.

Mas esses são temas para os próximos artigos.

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