O serviço de home care consiste na transferência à residência do paciente daqueles cuidados e tratamentos médicos ministrados em ambiente hospitalar. Exatamente como na tradução do termo da língua inglesa, trata-se de internar o paciente em seu próprio domicílio. Há razoável consenso de que essa prática favorece a recuperação e qualidade de vida do paciente, diminui riscos de infecção hospitalar e reduz a longo prazo os custos assistenciais. O que ainda motiva inúmeras divergências, na esfera privada, é justamente se as operadoras de planos de saúde tem obrigação legal de fornecimento desse serviço e, principalmente, a sua distinção da assistência domiciliar e/ou por meio de cuidadores. No período entre 2012 e 2016, o total de decisões de primeira instância determinando que as operadoras de planos cubram despesas médicas inerentes à assistência domiciliar aumentou 1.345%, passando de 42 para 565 decisões por ano.
A análise dessas decisões, no entanto, permite a verificação de conceitos equivocados sobre a regulamentação inerente a esses vínculos contratuais e principalmente acerca das características do serviço de internação domiciliar, sendo constatadas inúmeras hipóteses em que a pretensão do usuário vinculava-se a uma prescrição de serviços de enfermagem particular ou atividades inerentes àquelas desempenhadas exclusivamente por cuidadores.
Os contratos de planos de saúde estão subsumidos aos ditames da Lei nº 9.658/98, complementados pela regulação expedida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sendo certo que a prestação do serviço em internação domiciliar deve observar as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). As agências reguladoras detêm competência normativa para lidar com as políticas de saúde pública. Por esse motivo, elas não podem ser desconsideradas em decisões que afetam a saúde suplementar.
Assim, o primeiro esclarecimento a ser feito é que o home care, trata-se de cobertura assistencial não prevista no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, tampouco na Lei nº 9.656/98, não sendo, portanto, de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde. Em 2018, a ANS, por meio de sua Diretoria de Normas e Habilitação de Produtos (DIPRO), publicou um Parecer Técnico específico sobre essa questão. Diz o parecer, textualmente, que as operadoras não estão obrigadas a oferecer qualquer tipo de atendimento domiciliar (home care) como parte da cobertura mínima obrigatória a ser garantida pelos “planos novos” e pelos “planos antigos” adaptados.
O Judiciário, atento a questão, e como destinatário final da elevada Judicialização do tema, já se pronunciou pontualmente[1], reconhecendo a inexistente obrigação de fornecimento do home care pelas operadoras de planos de saúde, preconizando seu custeio por tais empresas nas hipóteses em que há cumulativamente (i) expressa indicação médica de substituição da internação hospitalar pela internação domiciliar, de acordo com o quadro clínico do paciente; (ii) condições estruturais da residência do paciente; (iii) solicitação da família; (v) concordância do paciente (quando capaz) e, principalmente; (vi) não afetação do equilíbrio contratual, como nas hipóteses em que o custo da internação domiciliar por dia não supere as despesas diárias dos mesmos tratamentos em hospital.
Dessa forma, ao mesmo passo em que a referida decisão norteia a resolução da controvérsia entre operadoras de planos de saúde e beneficiários, expõe as peculiaridades do serviço de internação domiciliar, deixando claro que o mesmo não se confunde com espécies de tratamento médico e/ou cuidados de enfermagem, característicos do ambiente domiciliar, não podendo ser imputados às operadoras.
Nesse sentido, a ANVISA regulamenta desde 2006 a estrutura e processo de trabalho que uma empresa prestadora desse serviço deve cumprir para poder atuar na internação domiciliar, distinguindo-o daqueles atendimentos domiciliares comumente prestados por cuidadores, sejam profissionais ou familiares.
Sendo assim, é necessário esclarecer as distinções entre as modalidades de atenção médica domiciliar, corolário dos termos preconizados pelo próprio STJ:
- Internação domiciliar: transferência de todos os tratamentos e aparato hospitalar para o domicílio do paciente, incluindo cuidados médicos 24 horas, com uso de tecnologia e procedimentos complexos de medicação.
- Assistência domiciliar: cuidados ambulatoriais, que podem ser feitos por profissionais de saúde, de maneira continuada.
- Assistência domiciliar por cuidadores: não há prescrição de cuidados médicos, sendo indicado ao paciente o acompanhamento por familiar ou pessoa minimamente treinada para auxílio na execução das atividades diárias que o mesmo não puder realizar por si.
Portanto, o conceito de home care adotado em território nacional inclui o atendimento multiprofissional de especialistas em saúde, repise-se, com a transferência de todo o aparato hospitalar à residência do paciente, não incluindo o papel do cuidador. O Ministério da Saúde ampara essa atividade com recomendações, de acordo com o Guia Prático do Cuidador, publicado em 2008.
As atividades de enfermagem por si só e demais procedimentos de medicina que podem ser realizados na residência do paciente não se confundem com a internação domiciliar, assim como as tarefas do cuidador responsável por auxiliar o doente nas práticas de higiene, alimentação, locomoção e outros cuidados vitais, também não estando previstas nos instrumentos contratuais.
Há que se sopesar que o plano de saúde não tem, considerando seu formato atual, condições para garantir atendimentos domiciliares de forma indiscriminada aos pacientes, porquanto trata-se de um atendimento que tem custos de difícil previsibilidade, que deve ser realizado sob condições determinadas pela legislação brasileira, e que tem caráter continuado na maioria dos casos. Como esse tipo de serviço não é considerado no cálculo atuarial do fundo mútuo, as coberturas concedidas por judicialização pesam sobre os demais beneficiários, encarecendo o plano de saúde e colocando em risco o equilíbrio financeiro das carteiras.
Concluindo, a questão que se coloca é que inequivocamente as operadoras não estão obrigadas ao custeio de despesas médicas com home care, e consoante o entendimento do STJ, a responsabilização eventual dessas empresas por tais despesas médicas está adstrita às hipóteses de observância ao equilíbrio econômico financeiro do contrato, com a redução de custos médicos a partir da transferência dos cuidados hospitalares à residência do paciente e não desvirtuação de seu conceito como subterfúgio para o particular esquivar-se das despesas com enfermagem particular e as atividades desempenhadas exclusivamente por cuidadores.
Novamente, a natureza complementar da assistência à saúde e o respeito à regulamentação devem ser o norte das decisões sobre tais conflitos de interesses, sopesando-se os impactos da satisfação de direitos individuais em detrimento das necessidades da coletividade, primando-se pela necessária sustentabilidade do setor de saúde suplementar.
O tema é naturalmente instigante, sendo essas considerações apenas nossas impressões iniciais, permanecendo nosso escritório à disposição para esclarecimentos sobre essa e demais matérias pertinentes ao setor.
[1]Recurso Especial nº 1537.301-RJ, Min. Relator Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, julgado em 18/08/2015