Por Abner Brandão Carvalho
O erro no diagnóstico, cometido por profissional de saúde em exame admissional não é indenizável. É esse o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que assim se posicionou, quando do julgamento de apelação no Proc. nº 1002421-78.2015.8.26.0564.
A discussão posta em juízo cingia-se a alegação de erro de conduta técnica de profissional de saúde, quando o autor foi submetido a exame admissional, em processo de seleção de emprego, em um Hospital. O aspirante à vaga foi julgado inapto, pelo levantamento da hipótese diagnóstica de hérnia umbilical, doença que contraindicaria algumas atividades, como levantar peso – atividades estas que fariam parte da rotina do serviço relacionado à vaga ofertada.
Ainda que o Perito do juízo tenha entendido haver erro de diagnóstico, foi enfático ao sustentar que o quadro apresentado pelo autor era de difícil diagnóstico e que a médica foi limitada pelas regras do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, que à ocasião dos fatos, não previa a realização de exames complementares, voltados ao aprofundamento diagnóstico.
De acordo com a 8ª Câmara de Direito Privado, não existe qualquer previsão legal que obrigue o empregador a realizar exames complementares aos candidatos a determinada vaga de emprego. Ainda, destacam que o exame admissional faz parte do processo de contratação, não existindo, a esta altura da seleção, qualquer contrato firmado – ou seja, o candidato conta com a mera expectativa, já que não é garantido que será julgado apto no exame admissional.
O maior ponto de convergência entre os apontamentos do perito, do magistrado de primeira instância e da colenda câmara apontam no sentido de que a conduta adotada pela médica foi de cautela, já que o exame admissional visa a proteção tanto do empregado quanto do empregador. Ao suspeitar da protuberância no abdômen do examinando e diante da ciência de que o cargo de eletricista demandaria carregar peso, a profissional de saúde vislumbrou um potencial prejuízo à saúde do candidato.
O caso concreto, aliás, leva a uma reflexão acerca da peculiaridade da análise da responsabilidade civil do médico, mais especificamente ainda, no contexto da alegação de erro de diagnóstico.
Inúmeras são as enfermidades existentes, sendo certo que muitas sequer foram descobertas – Vide a recente experiência médica global, relacionada à Covid-19. É sabido, ainda, que existem muitas doenças que contam com sintomas comuns, casos nos quais o diagnóstico só será possível a partir da exclusão de outras doenças, o que demanda aprofundamento do quadro por exames complementares ou até a observação e monitoramento do paciente, a partir da instalação de uma terapia medicamentosa. Caso não observe a melhora do paciente, outra possibilidade terapêutica passa a ser aventada. Em outras palavras, o diagnóstico é um verdadeiro processo, que nem sempre se limita ao diálogo entre o paciente e o médico e à realização de exames.
Foi com o olhar no desafio jurídico do enfrentamento da alegação de erro de diagnóstico que Miguel Kfouri Neto apontou que é apenas o erro de diagnóstico grosseiro que ensejará indenização.
A determinação da responsabilidade civil médica, decorrente de erro de diagnóstico, revela-se muito difícil, porque se adentra a um campo estritamente técnico, o que dificulta enormemente a apreciação judicial, principalmente porque não se pode admitir em termos absolutos a infalibilidade médica.
Por óbvio, as manifestações orgânicas do paciente, seja pelo inevitável progresso da doença, seja por qualquer reação adversa à terapia, prevista em literatura, embora inevitável, também afastam a responsabilidade do médico, na medida em que estas questões apresentadas podem prejudicar o sucesso da terapia, mesmo diante do acurado diagnóstico.
Neste último caso, o erro de diagnóstico poderia ser tomado como inevitável, que não se confunde com o erro de diagnóstico evitável. A propósito, quem aponta essa diferença é Fernanda Schaefer, para quem
Serão inevitáveis quando decorrentes das próprias limitações da medicina, ou seja, são inúmeras as doenças ainda não catalogadas e outras tantas das quais não se conhecem as causas, os avanços tecnológicos às vezes não se mostram suficientes para determinar um correto diagnóstico. Não constituem faltas graves, portanto, não são puníveis.
É por tudo isso que o erro de diagnóstico (que nada mais é que eleger terapêutica não adequada à doença, advindo daí, algum dano) é, caso não seja grosseiro, escusável, no dizer de Miguel Kfouri Neto. É este o entendimento que norteou outros julgados recentes, como os das Apelações nº 1021957-70.2018.8.26.0564, 1036270-85.2016.8.26.0053, 0031582-75.2011.8.26.0602 e 0021787-34.2015.8.19.0203.
REFERÊNCIAS
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 4. ed. Ver. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
______. ______. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
RIO DE JANEIRO. TJ-RJ. 17ª Câmara Cível. Apelação: APL 0021787-34.2015.8.19.0203. Relator: Desembargador Edson Aguiar de Vasconcelos. Julgamento em 06/11/2019. Publicado em 08/11/2019.
SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil médico & erro de diagnóstico. 1. ed. 9 reimp. Curitiba: Juruá, 2010.
SÃO PAULO. TJ-SP. 7ª Câmara de Direito Privado. Apelação: APL 0031582-75.2011.8.26.0602. Relator: Maria de Lourdes Lopez Gil. Julgamento em 05/09/2019. Publicação em 05/09/2019.
______. ______. 10ª Câmara de Direito Privado. Apelação: APL 1021957-70.2018.8.26.0564. Relator: J. B. Paula Lima. Julgamento em 23/01/2020. Publicação em 23/01/2020.
______. ______. 12ª Câmara de Direito Público. Apelação : APL 1036270-85.2016.8.26.0053. Relator: Souza Nery. Julgamento em 16/10/2019. Publicação em 17/10/2019.