Acidente envolvendo motorista embriagado: como fica a apólice de seguro?

Via de regra, as apólices de seguro contêm cláusula que afasta a obrigação das seguradoras indenizarem prejuízos decorrentes de acidente de trânsito quando o condutor do veículo segurado estiver sob o efeito de álcool.

Até um passado recente, prevalecia no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o entendimento de que não bastava a demonstração do estado de ebriedade, sendo necessária a prova da ligação direta entre a alcoolemia e o acidente para se afastar o direito à garantia. Ou seja: cabia à seguradora comprovar que a embriaguez teria sido a causa determinante para a ocorrência do sinistro.

Entretanto, desde o final do ano de 2016 o pensamento dos ministros do STJ tem se consolidado em sentido diametralmente oposto, tendo em vista o reconhecimento da legalidade da citada cláusula excludente.

Em fevereiro de 2018, completamos três meses da divulgação de importante decisão da Terceira Turma do STJ, REsp 1441620/ES, cujo entendimento foi ampliado para afastar a obrigação da seguradora de indenizar danos causados a terceiros pelo segurado, quando este dirigir embriagado.

A decisão do STJ praticamente confirma acórdão do TJ-ES no caso do acidente cujo motorista, alcoolizado, ultrapassou o sinal vermelho, invadiu a contramão e atingiu um ciclista, que morreu no hospital. Em seu voto no julgamento, a ministra Nancy Andrighi, que relatou o voto condutor, defendeu que, além do art. 787 do Código Civil, que trata do dever da seguradora de pagar a terceiros por danos provocados pelo segurado, a interpretação do caso também deve ter sustentação no art. 768 do mesmo diploma legal, que define a perda do direito à cobertura se o segurado agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. A ministra reforçou que, mesmo sem a intenção de agravar o risco, houve a prática intencional de ato, que leva, mesmo sem perceber, a igual resultado. O entendimento foi de que o segurado adotou comportamento arriscado.

Porém, o que parecia estar indo na contramão eram decisões da Justiça garantindo cobertura de sinistro em casos envolvendo bebida alcoólica e direção. Em defesa desses segurados, o argumento costumava se amparar nas alegações de inexistência de dolo e de inevitabilidade do acidente. Ou seja, não existia intenção e o acidente aconteceria independentemente da condição etílica.

As vítimas dos acidentes (terceiros), por sua vez, defendiam a ineficácia da referida cláusula excludente quando o acidente de trânsito advinha da embriaguez do segurado, sob a justificativa de que não poderiam ser punidas com o não recebimento da indenização securitária.

Por que há incongruência nessas defesas?

É sabido por qualquer motorista que a combinação álcool e direção é capaz de provocar tragédias, e já matou milhares de inocentes pelo mundo. Também já estão mais do que comprovadas e conhecidas as fortes alterações nos estados físico e psíquico de quem ingere bebida alcoólica. Então, não deveria estar claro que dirigir embriagado é assumir risco? Qual a coerência em aliviar a responsabilidade desse segurado?

Outro complicador: o desapreço pela cláusula da apólice que diz incorrer na exclusão da cobertura a condição de alcoolemia ao volante. Ao fazer o contrário e dirigir embriagado, não há quebra de contrato e do princípio da boa-fé? Esse conjunto de fatores não incorreria ainda na ruptura da mutualidade, que é a solidariedade econômica entre os segurados?

O incentivo ao pagamento da indenização pela seguradora a terceiros, vítimas do acidente, não privilegiaria o segurado que conduziu o veículo embriagado, que deixaria de pagar, ainda que no limite da cobertura da apólice?

Em tempos de combate à violência no trânsito, muitas decisões estavam dando aval à imprudência do motorista.

Um dos trânsitos mais violentos do mundo

A decisão do STJ vai ao encontro do combate à violência no trânsito brasileiro. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), somos o quarto país das Américas com mais mortes em acidentes (23,4 para cada 100 mil habitantes), atrás apenas de Belize, República Dominicana e Venezuela. E reforça a Polícia Rodoviária Federal (PRF): em 2016, a ingestão de álcool provocou 15,6% dos acidentes com mortes nas estradas; de janeiro a outubro de 2017, foram 372 vítimas fatais.

Precisamos ou não endurecer medidas que ajudem na guerra contra esse problema?

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