A inteligência do Entendimento DIFIS 9/19 e a imprescindível instrução probatória

Instituído no ano de 2016, os denominados “Entendimentos DIFIS” vêm sendo tratados como instrumentos de uniformização de entendimentos da Diretoria de Fiscalização (DIFIS) da ANS sobre temas relevantes e recorrentes, enfrentados pelos agentes designados para exercer a atividade fiscalizatória na saúde suplementar, previsto na Instrução Normativa nº 12/2016 – DIFIS.

O recente Entendimento nº 9/19, objetiva assentar a necessária instrução probatória para caracterizar se eventual negativa de cobertura assistencial, relatada pelo consumidor por meio de reclamação na ANS, se deu em situação de urgência ou emergência, conforme os conceitos previstos na Lei nº 9.656/1998, para o correto enquadramento da infração no tipo previsto no art. 79 da RN nº 124/06. 

A salutar iniciativa da DIFIS justifica-se em face do elevando número de processos administrativos sancionadores (PAS) em que, após as autuações, os próprios núcleos de fiscalização decidiram pela anulação do Auto de Infração exatamente em razão da não identificação de elementos probatórios que caracterizassem quadros clínicos de urgência/emergência, a teor da previsão da Lei nº 9.656/98, bem como pela superveniência de decisões proferidas em sede recursal, nesse mesmo sentido. 

O enquadramento no tipo/sanção para a não garantia de cobertura assistencial ao consumidor de planos de saúde, em atendimentos de urgência ou emergência, encontra-se previsto no art. 79 da Resolução Normativa nº 124/2006 e estabelece multa pecuniária no montante de R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) por negativa. Se não caracterizada a urgência ou emergência, a tipificação da conduta da operadora poderá ser configurada nos tipos infrativos dos arts. 77 e 78 da citada RN, com multas no valor de R$80.000,00 (oitenta mil reais) e R$60.000,00 (sessenta mil reais), respectivamente.   

O art. 35-C da Lei nº 9.656/1998 assim conceitua os critérios para caracterização dos atendimentos de urgência e emergência para os usuários dos planos de saúde privados:

“Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:       

I – de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;      

II – de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;” 

Segundo o dispositivo em comento, caso a situação narrada pelo consumidor não reportar a ocorrência de qualquer acidente pessoal ou de complicações no processo gestacional, tampouco referindo imediato risco de vida ou de lesão irreparável por declaração expressa do médico assistente, eventual infração praticada pela OPS não poderá ser tipificada no art. 79 da RN nº 124/2006. 

A leitura da norma não deveria permitir dúvidas quanto à necessária caracterização da situação de emergência, pelo médico assistente, ao descrever o risco de vida ou de lesão irreparável, sendo certo que para as situações de urgência, o legislador as descreveu como aquelas decorrentes exclusivamente de um acidente pessoal e/ou complicações gestacionais.

Ou seja, o fato do médico mencionar o vocábulo urgência ou emergência no pedido da cirurgia, ou o consumidor se dirigir a um Pronto Socorro para atendimento, por exemplo, não significa, a teor da lei dos planos de saúde, que o atendimento pretendido se reveste dos critérios insculpidos no art. 35-C da Lei nº 9.656/1998. 

Neste racional, o Entendimento DIFIS nº 09/19, a reboque da possibilidade de reclassificação da demanda NIP prevista no art. 16 da RN nº 444/19,[1] pretende trazer elementos práticos para que os agentes de fiscalização realizem a subsunção do caso concreto aos conceitos trazidos no art. 35-C da Lei nº 9.656/98, por meio do que denomina “uniformização sobre a instrução probatória nos autos do processo administrativo sancionador, da situação de urgência ou emergência, como conceituada na lei, a fim de enquadramento no tipo/sanção”, assim definindo-as:  

(i) natureza emergencial (inciso I do art. 35-C), é considerado documento hábil a comprovar a declaração do médico assistente, por exemplo: laudo médico; declaração propriamente dita ou documento equivalente; ou ainda guia de solicitação de procedimento; algo que demonstre que o médico atestou que aquela situação era de caráter emergencial. Há, ainda, necessidade de que o documento que dê arrimo para caracterização do atendimento de emergência seja subscrito pelo médico assistente.  

(ii) natureza de urgência (inciso II do art. 35-C), entende-se que são documentos capazes de comprovar a situação de urgência, a título de exemplo: laudo médico; declaração do prestador/médico; guia de solicitação de procedimento; prontuário de atendimento; receituário médico; diligência reduzida a termo com prestador/médico; boletim de ocorrência, quando houver; exame recente de pré-natal, se for o caso; outros exames relacionados com a possível situação de urgência; fotografia da lesão decorrente do acidente pessoal, se for o caso; diligência qualificada com beneficiário/interlocutor; isto é, documentação apta a comprovar a narrativa apresentada pelo beneficiário. 

Mencionado Entendimento também estabelece, exclusivamente aos casos de urgência, a possibilidade de realização de diligência qualificada com o consumidor/interlocutor, consistente em entrevista visando obter informação e elementos probatórios sobre as circunstâncias da situação de urgência relatadas, tais como: contexto do acidente pessoal, data, hora, local, consequências; o tipo de complicação no processo gestacional que levou a gestante a procurar o atendimento médico; as atitudes adotadas diante da negativa da operadora que deverão ser reduzidas à termo e documentos que demonstrem a verossimilhança das alegações.  

Os casos relativos aos pedidos de reembolso para atendimentos de urgência e emergência também estão sujeitos à infração do disposto no art. 79, desde que disponham das características probatórias consideradas no Entendimento nº 09, sendo cabível o reconhecimento do instituto da Reparação Voluntária e Eficaz – RVE, quando houver reembolso de despesas nos prazos da NIP (art. 20, §1º c/c art. 10 RN da nº 388/2015).  

Enfim, o Entendimento DIFIS nº 09/19 revela um inegável avanço na regulação visando a manutenção da integridade do ordenamento jurídico e que as autuações fundamentadas no art. 79 da RN nº 124/06 sejam lastreadas em efetivas evidências de caraterização de urgência e emergência. 

Nesse sentido, é de se destacar a conclusão de que o mero encaminhamento do consumidor a um pronto-socorro, sem a conjugação com algum elemento probatório, não caracteriza um quadro de urgência/emergência.  

Também de suma relevância a recomendação pela DIFIS da realização de diligências adicionais pelo agente da fiscalização, nos termos do art. 39 da Lei nº 9.784/99[2], para fins de reconhecimento da situação de urgência/emergência narrada pelo consumidor ou sinalizada pelo médico assistente. 

Quanto às hipóteses de urgência, é fácil ver-se que a uniformização do entendimento quanto à instrução probatória encontra-se muito bem delineada pela DIFIS, mormente ao instituir a necessidade da realização de diligências adicionais pelo agente fiscal para fins de comprovação das evidências de um quadro clínico indicativo de acidente pessoal ou complicações gestacionais, priorizando-se um rigor probatório em contrapartida a prova meramente indiciária.  

Permite-se, todavia, um acréscimo ao entendimento DIFIS nº 09/19 quanto à caracterização das hipóteses de emergência pela “declaração pelo médico assistente”, sendo relevante complementar ao texto ora em análise que esse laudo médico deve não apenas citar o termo emergência, mas caracterizar o risco de vida ou de lesões irreparáveis imediatas, sob pena de seguirmos em um modelo de julgamento dos PAS em que mera menção ao termo emergência seja suficiente para imposição de sanção pecuniária de R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). 

Nesse sentido, preconiza-se a correta aplicação do Entendimento DIFIS nº 09/19 de forma que a imputação de sanção tipificada no art. 79 da RN n° 124/06 não seja balizada apenas na sinalização de um suposto estado de saúde de emergência pelo médico assistente, mas sim da efetiva justificativa de quadro clínico indicativo de risco de vida ou lesão irreparável. 

Pretende-se, desta forma, afastar a transmutação do laudo médico em título executivo, sendo imprescindível robusta instrução probatória para subsunção do tipo infrativo à hipótese de incidência.

 

[1]“Art. 16. Todas as demandas classificadas como não resolvidas serão encaminhadas aos fiscais que, poderão, antes da lavratura do auto de infração e ainda em fase pré-processual, realizar, motivadamente, a classificação residual das demandas, modificando, quando for o caso, a respectiva classificação ou tipificação.”

[2]“Art. 39. Quando for necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos interessados ou terceiros, serão expedidas intimações para esse fim, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento.”

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